O estado da (des)mobilização
As jornadas de junho foram uma
ilusão? Difícil dizer. Aqueles que não participaram adoram se precipitar em
desvalorizá-la e os que ali estiveram em alardear vitórias questionáveis.
Participando de várias discussões dentro da militância em vários fóruns
diferentes sobre o esvaziamento atual levanta-se várias questões importantes
que já foram faladas mas talvez precisem ser repetidas e refletidas.
Afinal de contas qual é o objetivo
do ato de rua? E da reunião? E dos diferentes projetos? Destrinchar cada um
certamente daria assunto para várias teses mas não é este o objetivo deste
texto. Muito superficialmente pode-se dizer que os objetivos seriam atrair e
divulgar uma causa; organizar a luta; e outros objetivos específicos da militância.
Mas qual a maneira mais efetiva?
Ninguém é dono da verdade. Vê-se diferentes interpretações de contexto e defende-se diferentes estratégias de luta assim como militantes diferentes têm prioridades diferentes e infelizmente a esquerda se divide de mais em torno dessas diferenças.
Precisamos trabalhar e nos esforçar mais na aceitação do
diferente. Por mais que possamos entender que uma certa militância pode até
atrapalhar a luta não temos como saber com certeza, precisamos, portanto,
discutir essas questões com a cabeça mais aberta.
Isso não quer dizer que devamos lutar pela união a todo custo
com quem quer que seja. Precisamos é não ser tão radicais em nos separarmos por
causa de divergências. Mas é claro que criar uniões incoerentes e empurrar problemas
para de baixo do tapete é simplesmente criar um castelo de cartas que uma hora
vai desmoronar.
Mas não só a militância está
desmobilizada, também a base está e atraí-la encontra-se muito difícil. Faz-se
necessário se repensar a estratégia de mobilização e de militância. É verdade
que as intervenções culturais e artísticas chamam a atenção e tem um formato
atraente porém infelizmente a maioria dos militantes do meio artístico não são
minimamente politizados de forma que por vezes têm-se a forma mas não o
conteúdo qualificado.
É preciso mais atenção também a linguagem utilizada. Uma linguagem mais rebuscada pode atrair a militância mas afastar a base, assim a cada material confeccionado precisamos ter em mente com quem queremos falar e como falar com aquele grupo.
Para aumentar a mobilização popular, também precisamos enfrentar obstáculos que estão na própria cultura do povo. No Brasil, é comum as pessoas acharem que política se resume a um jogo de corruptos e, em vez de se organizarem, muitas vezes acham que ter "contexto" e pedir favor a algum governante é o melhor caminho. Além disso, a mídia repassa todos os dias uma série de valores individualistas, estimulando o "cada um por si", a "ostentação", o desprezo pelo povo e vários tipos de preconceito
Sejamos humildes também de reconhecer que muitas vezes não
dominamos uma certa linguagem e portanto precisamos sim nos integrar mais ao
grupo que se quer atrair não só pela questão da comunicação mas também e
principalmente para ouvir suas demandas, interpretações e tentar entender sua
visão da perspectiva dele e não da nossa própria já que as vivências e
realidades são completamente diferentes.
Claro que apesar de tudo isso lutar contra o desleixo e a
preguiça ainda é muito difícil. Se tem alguém para lutar por você, por que você
vai querer ir? A não ser que vire modinha novamente ou que a pessoa seja
obrigada, reconhecida ou recompensada. Dentre essas opções o reconhecimento
parece o melhor mas sem estrelismo e sabendo que não atrairá a todos.
Talvez o que seja pior e mais cruel é que as diferentes
militâncias são incrivelmente egoístas e só se importam com as demandas dos
outros superficialmente. Sem troca só há parasitismo e divisionismo. Assim, uma
das primeiras coisas que precisamos fazer é atentar mais para os conflitos de
calendário.
De qualquer forma precisamos atentar para o fato de que a
mobilização só vai ocorrer se tiver um objetivo concreto, apontar uma
alternativa e se for consequente. É essencial então que se divulgue resultados
vitoriosos de mobilizações populares para que se demonstre que quando há
pressão popular existe sim resultados favoráveis.
Não podemos esquecer também dos resultados desfavoráveis,
isto é, as perseguições, prisões, multas, desalojamentos, agressões, coerções,
etc. Ignorar a preeminência da defesa dos prejudicados na luta é ignorar a
importância da própria segurança daqueles que ainda lutam e querem lutar. E não
adianta que sem luta a situação de nossas vidas tendem simplesmente a piorar
quando muito se tornarem as mesmas. E como convencer alguém a lutar se a luta
não dá resultados ou se aqueles que forem onerados não forem defendidos?
Já no embate argumentativo creio que precisamos de mais cuidado
e apreço pela honestidade intelectual ao em vez da criação de narrativas. Sim,
muitas coisas podem ser vistas por perspectivas diferentes mas está se criando
uma prática de se usar perspectivas que simplesmente são ridiculamente
tendenciosas e por vezes complemente mentirosas.
Por mais que se defendam tais posições por acreditar na importância
política disso acredito que a verdade acaba vindo a tona na maioria das vezes,
arriscar sendo pego na mentira é criar mais deficiências. É inegável que muitos
acreditam nas bobagens porque querem acreditar ou porque é conveniente mas
acredito que para esses não precisa-se mentir já que o seu apoio sobrevive a realidade
que se quer esconder e que no final é o que realmente importa.
Isto posto, chegamos a talvez a maior fragilidade política da
esquerda e do povo atualmente. Se tirar a
Dilma bota quem? Uma opinião é que não importa se Dilma fica ou se sai e
entra outro, importa o que faz quando está no poder e atualmente o que ela faz
não defende os objetivos da esquerda nem do povo, pelo contrário! Então por que
apoiá-la?
Outra linha de argumentação diz que colocar outra pessoa irá
piorar o que está ruim. Seria melhor deixar um governo do PT capitaneando a
recessão e o ajuste do que outro partido pois o PT supostamente tentaria tornar
a solução mais branda.
Politicamente os dois argumentos tem pontos muito bons e
críticas muito contundentes. Continuar dando carta branca ao PT é incentivar
que ele continue não fazendo as mudanças sociais maiores que precisamos e
continuar empurrando com a barriga como tem feito. No longo prazo o PT administra
os conflitos sociais de forma a que eles não se coloquem em ponto de ebulição.
Desta forma, defender o PT é dispender esforço que poderia ser usado num projeto mais legítimo. Sem contar que do ponto de vista do PT, buscando apoio da esquerda e da direita, dois grupos opostos, o parceiro que mais exigir será o contemplado e o parceiro mais dócil será esquecido, exatamente o que estamos vendo.
Desta forma, defender o PT é dispender esforço que poderia ser usado num projeto mais legítimo. Sem contar que do ponto de vista do PT, buscando apoio da esquerda e da direita, dois grupos opostos, o parceiro que mais exigir será o contemplado e o parceiro mais dócil será esquecido, exatamente o que estamos vendo.
Já os governistas vêm a questão de forma mais prática. Se o
PT tem restrições em levar a frente demandas da direita devido a sua parceria
com a esquerda a direita no poder não teria nenhuma restrição a não ser as
eleitoreiras. Seriam estas restrições eleitoreiras que poderiam aumentar a
semelhança entre projetos de governo dos lados opostos.
Claro que governo novo pode fazer muita coisa ruim colocando
a culpa no governo anterior mas então partiríamos para outro embate
argumentativo tentando desconstruir essa falácia. E se muitas coisas ruins
virão, e sem a devida redistribuição de renda e riqueza que nem PT nem a
direita querem fazer, não seria melhor que onerassem um governo de direita do
que um partido que muitas pessoas confundem com a esquerda?
A realidade é que nos encontramos envoltos em um grande
dilema e apesar de alguns dilemas levarem a embates efetivos de lados opostos
como foi o caso do Brasil até o golpe militar o atual configura uma apatia pois
o povo não se vê identificado com nenhuma das opções chegando a nem mesmo se
posicionar politicamente. Precisamos continuar problematizando e refletindo
sobre essas e outras questões para tentar achar uma solução que contemple o
povo.
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