terça-feira, 3 de novembro de 2015

O estado da (des)mobilização


            As jornadas de junho foram uma ilusão? Difícil dizer. Aqueles que não participaram adoram se precipitar em desvalorizá-la e os que ali estiveram em alardear vitórias questionáveis. Participando de várias discussões dentro da militância em vários fóruns diferentes sobre o esvaziamento atual levanta-se várias questões importantes que já foram faladas mas talvez precisem ser repetidas e refletidas.

            Afinal de contas qual é o objetivo do ato de rua? E da reunião? E dos diferentes projetos? Destrinchar cada um certamente daria assunto para várias teses mas não é este o objetivo deste texto. Muito superficialmente pode-se dizer que os objetivos seriam atrair e divulgar uma causa; organizar a luta; e outros objetivos específicos da militância. Mas qual a maneira mais efetiva?

            Ninguém é dono da verdade. Vê-se diferentes interpretações de contexto e defende-se diferentes estratégias de luta assim como militantes diferentes têm prioridades diferentes e infelizmente a esquerda se divide de mais em torno dessas diferenças.

Precisamos trabalhar e nos esforçar mais na aceitação do diferente. Por mais que possamos entender que uma certa militância pode até atrapalhar a luta não temos como saber com certeza, precisamos, portanto, discutir essas questões com a cabeça mais aberta.

Isso não quer dizer que devamos lutar pela união a todo custo com quem quer que seja. Precisamos é não ser tão radicais em nos separarmos por causa de divergências. Mas é claro que criar uniões incoerentes e empurrar problemas para de baixo do tapete é simplesmente criar um castelo de cartas que uma hora vai desmoronar.

            Mas não só a militância está desmobilizada, também a base está e atraí-la encontra-se muito difícil. Faz-se necessário se repensar a estratégia de mobilização e de militância. É verdade que as intervenções culturais e artísticas chamam a atenção e tem um formato atraente porém infelizmente a maioria dos militantes do meio artístico não são minimamente politizados de forma que por vezes têm-se a forma mas não o conteúdo qualificado.

            É preciso mais atenção também a linguagem utilizada. Uma linguagem mais rebuscada pode atrair a militância mas afastar a base, assim a cada material confeccionado precisamos ter em mente com quem queremos falar e como falar com aquele grupo.

            
Para aumentar a mobilização popular, também precisamos enfrentar obstáculos que estão na própria cultura do povo. No Brasil, é comum as pessoas acharem que política se resume a um jogo de corruptos e, em vez de se organizarem, muitas vezes acham que ter "contexto" e pedir favor a algum governante é o melhor caminho. Além disso, a mídia repassa todos os dias uma série de valores individualistas, estimulando o "cada um por si", a "ostentação", o desprezo pelo povo e vários tipos de preconceito

Sejamos humildes também de reconhecer que muitas vezes não dominamos uma certa linguagem e portanto precisamos sim nos integrar mais ao grupo que se quer atrair não só pela questão da comunicação mas também e principalmente para ouvir suas demandas, interpretações e tentar entender sua visão da perspectiva dele e não da nossa própria já que as vivências e realidades são completamente diferentes.

Claro que apesar de tudo isso lutar contra o desleixo e a preguiça ainda é muito difícil. Se tem alguém para lutar por você, por que você vai querer ir? A não ser que vire modinha novamente ou que a pessoa seja obrigada, reconhecida ou recompensada. Dentre essas opções o reconhecimento parece o melhor mas sem estrelismo e sabendo que não atrairá a todos.

Talvez o que seja pior e mais cruel é que as diferentes militâncias são incrivelmente egoístas e só se importam com as demandas dos outros superficialmente. Sem troca só há parasitismo e divisionismo. Assim, uma das primeiras coisas que precisamos fazer é atentar mais para os conflitos de calendário.

De qualquer forma precisamos atentar para o fato de que a mobilização só vai ocorrer se tiver um objetivo concreto, apontar uma alternativa e se for consequente. É essencial então que se divulgue resultados vitoriosos de mobilizações populares para que se demonstre que quando há pressão popular existe sim resultados favoráveis.

Não podemos esquecer também dos resultados desfavoráveis, isto é, as perseguições, prisões, multas, desalojamentos, agressões, coerções, etc. Ignorar a preeminência da defesa dos prejudicados na luta é ignorar a importância da própria segurança daqueles que ainda lutam e querem lutar. E não adianta que sem luta a situação de nossas vidas tendem simplesmente a piorar quando muito se tornarem as mesmas. E como convencer alguém a lutar se a luta não dá resultados ou se aqueles que forem onerados não forem defendidos?

Já no embate argumentativo creio que precisamos de mais cuidado e apreço pela honestidade intelectual ao em vez da criação de narrativas. Sim, muitas coisas podem ser vistas por perspectivas diferentes mas está se criando uma prática de se usar perspectivas que simplesmente são ridiculamente tendenciosas e por vezes complemente mentirosas.

Por mais que se defendam tais posições por acreditar na importância política disso acredito que a verdade acaba vindo a tona na maioria das vezes, arriscar sendo pego na mentira é criar mais deficiências. É inegável que muitos acreditam nas bobagens porque querem acreditar ou porque é conveniente mas acredito que para esses não precisa-se mentir já que o seu apoio sobrevive a realidade que se quer esconder e que no final é o que realmente importa.

Isto posto, chegamos a talvez a maior fragilidade política da esquerda e do povo atualmente. Se tirar a Dilma bota quem? Uma opinião é que não importa se Dilma fica ou se sai e entra outro, importa o que faz quando está no poder e atualmente o que ela faz não defende os objetivos da esquerda nem do povo, pelo contrário! Então por que apoiá-la?

Outra linha de argumentação diz que colocar outra pessoa irá piorar o que está ruim. Seria melhor deixar um governo do PT capitaneando a recessão e o ajuste do que outro partido pois o PT supostamente tentaria tornar a solução mais branda.

Politicamente os dois argumentos tem pontos muito bons e críticas muito contundentes. Continuar dando carta branca ao PT é incentivar que ele continue não fazendo as mudanças sociais maiores que precisamos e continuar empurrando com a barriga como tem feito. No longo prazo o PT administra os conflitos sociais de forma a que eles não se coloquem em ponto de ebulição.

            Desta forma, defender o PT é dispender esforço que poderia ser usado num projeto mais legítimo. Sem contar que do ponto de vista do PT, buscando apoio da esquerda e da direita, dois grupos opostos, o parceiro que mais exigir será o contemplado e o parceiro mais dócil será esquecido, exatamente o que estamos vendo.

Já os governistas vêm a questão de forma mais prática. Se o PT tem restrições em levar a frente demandas da direita devido a sua parceria com a esquerda a direita no poder não teria nenhuma restrição a não ser as eleitoreiras. Seriam estas restrições eleitoreiras que poderiam aumentar a semelhança entre projetos de governo dos lados opostos.

Claro que governo novo pode fazer muita coisa ruim colocando a culpa no governo anterior mas então partiríamos para outro embate argumentativo tentando desconstruir essa falácia. E se muitas coisas ruins virão, e sem a devida redistribuição de renda e riqueza que nem PT nem a direita querem fazer, não seria melhor que onerassem um governo de direita do que um partido que muitas pessoas confundem com a esquerda?


A realidade é que nos encontramos envoltos em um grande dilema e apesar de alguns dilemas levarem a embates efetivos de lados opostos como foi o caso do Brasil até o golpe militar o atual configura uma apatia pois o povo não se vê identificado com nenhuma das opções chegando a nem mesmo se posicionar politicamente. Precisamos continuar problematizando e refletindo sobre essas e outras questões para tentar achar uma solução que contemple o povo.

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